quinta-feira, 4 de março de 2010


...e chega o momento quando o Mestre toma o discípulo pela mão, e o leva até o alto da montanha. Atrás, na direção do nascente, se veem vales, caminhos, florestas, riachos, planícies ermas, aldeias e cidades. Tudo brilha sob a luz clara do sol que acaba de surgir no horizonte. E o Mestre fala:
'Aqui se encontra um retrato desse mundo. Se você prestar bem atenção, verá que há mapas no céu, mapas das terras, mapas do corpo, mapas da alma. Andei por estes cenários. Naveguei, pensei, aprendi. Aquilo que aprendi e que sei, está aqui. E estes mapas eu lhe dou, como minha herança. Com eles você poderá andar por estes cenários sem medo e sem sustos, pisando sempre em terra firme. Dou-lhe o meu saber.'
Aí o Mestre fica silencioso, olhando dentro dos olhos do discípulo. Ele quer adivinhar o que se esconde naquele olhar. Examina seus pés. Nos pés sólidos se revela a vocação de andar pelas trilhas conhecidas. Quem sabe isto é tudo aquilo o que aquele jovem corpo é capaz! Quem sabe isto é tudo o que aquele jovem corpo deseja! Se for assim, talvez o melhor seria encerrar aqui a lição e nada mais dizer.
Mas o Mestre não se contém e procura, nas costas do seu discípulo, prenúncios de asas - asas que imaginara ter visto como sonho, dentro dos seus olhos. O Mestre sabe que todos os homens são seres alados por nascimento, e que só se esquecem da vocação pelas alturas quando enfeitiçados pelo conhecimento das coisas já sabidas.
Ensinou o que sabia. Agora chegou a hora de ensinar o que não sabe: o desconhecido.
Volta-se então na direção oposta, o mar imenso e escuro, onde a luz do sol ainda não chegou.
'Mas para esta aventura meus mapas não lhe bastam. Todos os diplomas são inúteis. E inútil todo o saber aprendido. Você terá de navegar dispondo de uma coisa apenas: os seus sonhos. Os sonhos são os mapas dos navegantes que procuram novos mundos. Na busca dos seus sonhos você terá de construir um novo saber, que eu mesmo não sei... e os seus pensamentos terão de ser outros, diferentes daqueles que você agora tem.
Agora o que eu desejo é que você aprenda a dançar. Para aprender a pensar é preciso primeiro aprender a dançar. Quem dança com as ideias descobre que pensar é alegria. Se pensar lhe dá tristeza é porque você só sabe marchar, como soldados em ordem unida. Saltar sobre o vazio, pular de pico em pico. Não ter medo da queda. Foi assim que se construiu a ciência: não pela prudência dos que marcham, mas pela ousadia dos que sonham. Todo conhecimento começa com o sonho. O conhecimento nada mais é do que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não se ensina. Ele brota das profundezas do corpo como a água brota das profundezas da terra. Como Mestre, só posso então lhe dizer uma coisa: Conte-me os seus sonhos, para que sonhemos juntos.'

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